Madeiraterapia: cursos de marcenaria em Porto Alegre atraem cada vez mais mulheres

Porto Alegre está revolucionando a vida de muitas mulheres com curso de marcenaria.


Ao fazer compras em uma grande ferragem da Capital, Jaqueline Campos observou que todos os clientes estavam recebendo serrinhas de cortar madeira de brinde. Quando chegou sua vez, no entanto, nada foi oferecido. Ao perguntar se também tinha direito ao mimo, escutou dos funcionários:

– Ah, mas é que como você é mulher, não achamos que fosse gostar.
– Não só vou gostar, eu faço questão – respondeu, e saiu feliz com a serra nas mãos.

A exigência não era em vão. Aos 47 anos, Jaqueline tem intimidade com a madeira. Ela é sócia da Confraria da Madeira, escola inaugurada em 2012 na Capital que inicia interessados em fabricar móveis e objetos decorativos com a matéria-prima que vem das árvores. Lá, uma pergunta é recorrente entre as aspirantes a alunas: “Mas tem mulher na turma?”. Tem, sim, e cada vez mais. Nos últimos anos, a participação delas cresceu até chegar a 30% dos alunos. Em outra iniciativa semelhante, a escola de experiências práticas Fabrique, as garotas já formam, em média, 50% de cada turma para aprender a lixar, pregar madeira para construir móveis ou fazer reparos em casa. São mulheres adeptas do “do it yourself”, o faça você mesmo. Elas buscam aprender uma atividade nova ou a técnica para dar forma a projetos que têm em mente. A maior parte das alunas – e dos alunos – faz a matrícula sem ter nem mesmo noções básicas da atividade e logo. Mas não demora a ganhar intimidade com a madeira, como atestou a funcionária pública Mariluce Britto Lima Dias, 55 anos:

– Depois de concluir o curso básico, comecei a me dedicar ao que me trouxe aqui. Gosto muito de animais e cuido de cães e gatos de rua, queria fazer camas e casinhas para eles. Eu digo que aqui brinco, me divirto fazendo as coisas para os bichos – conta, de avental, óculos e máscara de proteção.
Antes de colocar em prática os projetos pessoais, Mariluce já havia decorado a casa com três peças confeccionadas por ela mesma durante as aulas: uma mesinha lateral, um armário e uma mesinha de apoio. Além disso, aproveitou os conhecimentos do curso para fazer alguns reparos nas arestas nas mesas do trabalho.

Mariluce, aluna do curso de marcenaria da Confraria da Madeira.

Na maior parte dos cursos oferecidos na Capital, tanto de curta quanto de longa duração, os alunos aprendem a marcenaria fabricando um ou mais móveis escolhidos antes da primeira aula. Ao final das aulas, os objetos são levadas para casa.

– As alunas estão interessadas em ter uma experiência diferente. Tu deixas de comprar um produto para você mesmo fazê-lo. Ao contrário do que pensamos, a marcenaria não exige força, mas precisão e firmeza. E as mulheres se saem até melhor do que os homens em certos pontos. Elas não têm medo de perguntar se não sabem alguma coisa – conta o sócio da Fabrique André Lacerda.

Ao entrar em uma oficina, as alunas descobrem que a marcenaria exige atenção plena. Assim como uma madeira lixada um pouco além do necessário pode comprometer o resultado final da peça, manusear serras, martelos e máquinas elétricas requer concentração, exercitando o foco e desconectando dos problemas do dia a dia.

– É uma terapia, pois a madeira é uma coisa que tu vais moldando. Quando começas a ver a peça se tornar algo em que você transformou sua energia de uma maneira boa, a sensação é de realização –  conta a professora Marileise Caldeira, 50 anos.

Marileise, também aluna do curso de marcenaria da Confraria da Madeira.

Ainda criança, Marileise observava com atenção o trabalho do avô, que tinha o trabalho com madeira como hobby. Depois de adulta, começou a fazer consertos e reparos em casa por conta própria. Os amigos acharam que o curso de marcenaria tinha sido feito para ela, mas custaram a acreditar a professora havia fabricado a mesa e o armário novos. Prestes a se aposentar, ela descobriu na madeira uma nova ocupação. Começou a cursar Design de Interiores e planeja passar os próximos anos restaurando móveis antigos ou fabricando móveis e objetos de decoração. Um caminho no qual Zenir Oliveira Dimer Sparremberger, 53 anos, já deu os primeiros passos: ela conquistou no curso de marcenaria a autoconfiança para fazer peças mais elaboradas.

Zenir Sparrêmberger montou um ateliê na sua casa.

– Eu saí chorando da última aula. Levei quatro peças para casa, lindas, maravilhosas, expostas lá na minha sala. Comprei maquinário pesado e comecei a fazer peças em casa – conta.

Desde então, Zenir fabricou um armário de madeira com gavetas e trabalha em uma mesa a partir de material de demolição – e a fila de encomendas cresce.

– Estou terminando a segunda peça feita sem supervisão e passei a valorizar as coisas que faço. Pegar uma madeira bruta e transformar em um um objeto bonito aumenta minha autoestima e mostra que somos capazes de fazer muito mais do que imaginávamos – afirma.

Se parte das alunas se encanta com a madeira a ponto de querer transformar os ensinamentos do curso em profissão, também há quem esteja apenas em busca de exercitar as habilidades manuais. Depois de um dia inteiro na Fabrique, as alunas levam para casa objetos como luminárias ou shapes de skate produzidos por elas mesmas. A publicitária Patrícia da Rocha Thiesen, 28 anos, viveu um fim de semana divertido fabricando um banco banco estilo reepa na Fabrique.

– Sempre gostei de trabalhos artesanais e foi uma maneira de conhecer a técnica e aprender uma atividade diferente da do dia a dia. Desestressei, aprendi coisas novas e levei para casa o banco que eu mesma fiz – conta.

Movida pela mesma vontade de colocar a mão na massa, a advogada Rebeca Tizzi Rodrigues, 26 anos, participou de uma oficina para fabricar shapes no começo do mês. Desde que entrou nos escoteiros, aos nove anos, não deixou mais de fazer invenções. Dessa vez, uniu duas habilidades, pois também anda de skate aos finais de semana.

– Percebi que para trabalhar com madeira, não precisamos de força, mas sim de jeito e de firmeza. Fácil não é, mas foi tranquilo de fazer. Já montei um skate comprando as peças separadas. Agora, eu vou fazer praticamente todo ele – empolga-se.


Fonte: http://revistadonna.clicrbs.com.br